Almoço Familhão
 



Cronicas

Almoço Familhão

Marla A. Lansarin


Com boa antecedência, inicia a divisão de tarefas: quem leva a carne, a salada, a sobremesa? Deixa comigo, minha especialidade! Saudável disputa entre as cozinheiras. Há uma alegre expectativa e alguma apreensão.

Desagrado pelo compromisso no feriado. Depois de uma semana inteira com o despertador tocando, mais essa? E a tia mega chata, vai? Nãooo! Vai querer saber tudo, com aquele sorriso carinhoso e os olhinhos cheios de amor. Há que reportar as pseudoconquistas, pois ela fica toda orgulhosa e conta para as amigas. E vai oferecer um presentinho, totalmente inútil, que vai parar na gaveta junto com os outros; ou já foram perdidos?

O primo também vai. Garotão, iniciando a vida, cheio de futuro e otimismo. Vai levar a namorada, que é linda, e contar seus causos com ironia e uma ponta de orgulho. Todos o escutarão sorrindo, lembrando de quando exerceram aquele papel, ou sonhando com o dia que estarão na mesma posição.

A vó, se estiver disposta, vai deixar o ambiente leve: sempre conta passagens da vida, das viagens que fez e da infância dos filhos. Se estiver num dia ruim, no entanto, vai passar choramingando e tentando falar coisas que turvam o ambiente. Seja como for, todos vão escutar, sabendo que se esforça para carregar a velhice e a viuvez com dignidade. O vô faz uma falta danada. O lance é evitar olhar para a outra cabeceira, para não sentir aquele nó no peito.

Ah! O tio italiano! Sério, o cara não fala, grita, e sabe-se lá sobre o quê, mas a família ri o tempo inteiro. Não há assunto sério nem tristeza a sua volta. A tia, mulher dele, tipo intelectual que gosta de um papo-cabeça, por vezes fica meio sem-graça e tenta contê-lo. Inútil: a cena só aumenta o folclore da coisa. Mas, muito cuidado: se o homem se ofender, o jogo vira, e fica feio.

A namorada linda e o companheiro da outra tia, novatos na família, mantêm um silêncio polido. Não sabem bem o tom da coisa e o que está por trás das piadas e, então, escolhem sorrir e calar. É barra entrar em um ambiente com uma grande história passada, da qual não se fez parte. Mas o povo tenta puxar assunto, e isso é bom sinal.

Familhão. Cada qual levando a vida do seu jeito, tentando fazer o que acredita ser certo, cuidando de si e dos seus. Certo? Mas o que seria certo? Jovens ou velhos, pedindo ajuda escancaradamente ou disfarçando bem, estão unidos pela fragilidade, a certeza de não estar no timão, mas a mercê do acaso. Almoço da Sexta-feira Santa, do Domingo de Páscoa, ou do dia das mães; qualquer data serve de motivo para reunir as fraquezas e sentir algum conforto na presença dos outros, renovando a esperança de que, em um dia sombrio, alguém vai te oferecer uma sopinha.

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Texto de Marla A. Lansarin, professora de Cinética e Reatores no Departamento de Engenharia Química da UFRGS. Amante das letras, dedica-se à leitura e à arte da escrita sempre que a vida permite.

Revisão e leitura crítica de Mitcheia Guma.

 

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